quarta-feira, 4 de novembro de 2009

a lastimável impossibilidade da escapada.

Justamente hoje me dei conta da mais besta das coisas do mundo: uma pessoa só pode ser ela mesma. Fiquei e estou ainda, estupefeita. Aborrecimento desta largura eu não esperava encontrar em um fim de tarde de verão, sempre os fins de tarde de verão tão enfurnados em seus próprios atributos. E agora isso.
Vou morrer de tédio. Morrer a gente pode, morrer é pequenininho. Morrer é só deixar de ser. E viver (deixar ser, eu acho) é ser, até morrer, a gente mesmo.
Deus sabe como eu daria uma boa mosca, justa e discreta e absolutamente preta. Mas serei Nataly até ser coisa nenhuma: sou, eu mesma, meu fardo eterno. E posso ser (dentro de um escopo tão diminuído) o que eu quiser, aonde eu quiser, quando eu quiser. Mas serei, sem remédio, sempre eu querendo o que quer Nataly, e não o que quer uma cabra, uma vela, um prato de sopa, uma caixa.
Virei um peso (que sou eu, e não outra coisa). Entre uma ou outra das coisinhas que a gente pode ser, está: ser mais pesado ou mais leve. Haverá dias leves e dias pesados. Mas logo da descoberta que somos o que somos até deixarmos de sermos, ficamos pesando algo na casa das toneladas.
Me afogo no enfado enfinito. Eu que só queria ser uma mosca, em uma folha de papel. Eu que só queria ser o que são juntas a mosca sobre a folha de papel. A mosca sobre a tinta sobre a folha de papel. Se ao menos se recortasse o mundo diferente, e eu pudesse ser conjunto. Já que fatalmente fui eu, sou eu e sempre sempre eu, que pudesse ser, ao menos, acompanhada. Que eu fosse, no contato com o chão, a mesma coisa que o chão, e sentisse a pisada de outrem, delicada, apressada, firme, cambaleante. Aceitaria a condição de eu mesma tornar-me pisada. Ou do contrário: eu sou meu braço e só o meu braço. Unicamente e por essência, braçal.
Um mosca não deve nunca cansar de existir. Um mosca deve pensar que seria muito bem a mesma mosca por mais duas, ou três vidas. A mosca tolinha, que nem pensa, só vive.
E das minhas criações, todas tão impregnadas de mim, viciadas e repetidas, mais esta.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

O cinza de todas as coisas


Chovia, mais uma vez. Daqui a pouco não é mais necessário avisar. Chove sempre. Hoje (chove) andei (chove) pela rua (chove). Quando andei e quando escrevo (chove). As palavras são chuva fina e é preciso uma miríade delas pra de fato se molhar. Se o que se quer é se molhar, porque não raro encontro um e outro que escolhe passa-tempo alternativo: esperar passar. Mas há uma verdade que estilhaça: a gente nunca só espera passar. Chove na espera como chove na rua em que andei, e hoje, e sempre.
Então o que temos é que chovia (e que choveu, e que chove), o que não confere nada de extraordinário ao que pretendo relatar, já que, conforme subescrito, só o que esse céu faz é chover (ontem, e hoje, e sempre). (E aqui). Chovia, mas não só chovia como também era fim de julho. Eis que algo finalmente, porque, hão de concordar, nem sempre é fim de julho. Consigo vislumbrar até começos de julhos, se forçar um pouco. E sei que existem meses que não são julho, mas anda difícil acreditar em outros tempos que não esses.
Aprendi jovem: nem tudo precisa de tempo e espaço. Essas minhas coisas precisam, por exemplo, só de tempo. Onde chove e é quase outro mês. Se esse fim salvaguardasse embaixo do braço uma promessa! Mas acho que é só fim mesmo, e o começo só começa quando começa.
(Um sobressalto de lucidez manifesto em parágrafo próximo:)
"Peremptório" e "Peripatético" são verdadeiras enxurradas. Queiram me desculpar. A errata: Palavras não são sempre chuvas finas. São todas tempestades em pontencial. Corre a boca pequena, nada assim oficial, de que algumas até ventam. Se pedirem, não fui eu quem falei. Segredo nosso.
Essa chuva esvazia, não esvazia? Se não fizesse tanto frio nessa cidade. Vejo os rostos na rua e sei que compartilhamos algo desolador: fomos todos obrigados a ver o cinza de todas as coisas. E ao ver o cinza, às vezes é melhor fechar os olhos. Não condeno.
Ao fim e ao cabo, fico com nada. E vos deixo com nada. A "coisa" que eu prentendia relatar não precisa de espaço, e agora enxergo: nem mesmo a própria coisa é necessária. Só precisava de tempo. Só era tempo.
Chove, ainda.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

A Dorzinha

Não sei o que tem atrás do arco-íris porque não fui ver. Há dias em que dá vontade de descobrir, mas em outros, e este é um destes, dá vontade de sentar. Dá vontade de dizer ao tempo que tome férias de ser tempo, que não me faça sair de casa quando aqui está quente e tem gente em volta rindo e fazendo café.
Tem dias, vocês precisam ver, como sou corajosa. Mas hoje, eu tenho medo e preguiça. Acho que poderia ficar bordando enquanto os outros vivem. Vão lá vocês, vivam e voltem pra contar.
Agora conto vinte e um e nesse tempo todo tentei escapar às angústias da idade. Não conheço algo nesse mundo mais passível de aguda cafonice do que sofrer as angústias da idade. Do que tornar crise os primeiros issos e aquilos enquanto todo mundo em volta tá fazendo parecido.
Mas dessa vez, não sei não. Me pegaram pelo pé, e agora já teem o corpo inteiro.
Se essa música não me rasgasse o coração, seria mais fácil. E é fácil pra alguém? E eu que só tenho vinte e um. E eu que nunca mandei um cartão postal.
Tenho seis meses. E depois sou alguma coisa. Mas que farsa essa independência, quando eu comprei ninguém me disse que doia.
Cuido da dorzinha, espero passar.
Para vocês, um beijo e um abraço.
[a música: who's loving you, jackson's five]

domingo, 5 de julho de 2009

as horas

Avisem a quem puderem: já é passada a hora da estrela. Mas por favor, não anotem o novo horário oficial. Aviso, porque se os conheço, são bem capazes de despautérios desta ordem.
O novo horário exige não ser anotado. A partir de agora é hora de não saber que horas são. Não por arbítrio, não confundam, eu gosto de saber de tudo. É assim porque é assim, porque não sei, e só.
Ah, se eu tivesse energia e vontade, saibam vocês que este texto teria novo começo. "Hora de não saber que horas são" não lhes parece que tento encorajá-los a livrarem-se dos grilhões do cotidiano? Tenho lá minhas cretinices, mas acho que disso não seria capaz. Eu só não sei que hora é agora, a hora de quem.
De qualquer jeito, é uma hora das melhores. É uma hora maçã, colcha de retalho, quarto escuro com música boa. Vocês sabem como são as horas maçã, colcha de retalhos, quarto escuro com música boa: cheias de minutos, e segundos e quartos de hora. E mais ainda, cheias de contento em serem horas. Essas horas que não querem ser dias, semanas, séculos. E em uma hora dessas, não sei se vivo ou assisto. Assisto enquanto vivo, e o presente vira saudade enquanto é presente. São e não são senhoras.
Só precisamente nessa hora me dou conta de que preciso horas dessas, hora ou outra.
E virão outras horas. Mas imagino que já perceberam que nem todas merecem ser nome de alguma coisa.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Vontade

Eu poderia e deveria dobrar as roupas que tirei do varal. Mas não o faço porque sempre me perco no meio do caminho, e o meio do caminho é aquele cheiro bom que as roupas tem. Enfio a cara no jeans se preciso for, só pra sentir o cheiro bom que as roupas tem. E por conta dessa minha perdição, também não durmo de cabelo molhado. Se por descuido essa situação se desenha, é já um dia perdido. Passarei o tempo que puder e um tantinho do que não puder, com a cabeça enfiada no travesseiro, porque sou de carne e osso e gosto de shampoo.
Enquanto isso, mantenho a montanha de roupas limpas a uma distância segura de mim.
Há tantas coisas por serem feitas, no mundo e nessa casa. Nada me interessa, assim, agora. E se escrevo me saboto, porque nem queria escrever tanto assim, mas escrevendo me autorizo a não fazer o que me espera para ser feito.
Devo ser esse tipo: o tipo que livra os ombros de fazer o que o mundo precisa que seja feito. E há tanta gente por aí carregando o peso invisível. São bonitos e corajosos. Mas deus sabe como a promessa da prerrogativa do erro é sedutora.
Não podendo ser os braços, ou as pernas, ou os olhos: quero ser a fita de cabelo do mundo. E não me deixe enganá-los, porque há sim, nisso tudo, um pouco de covardia e vaidade. E de cheiro de roupa recém tirada do varal.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Status Quo

Acho que no verão a gente não precisa um do outro, e deve ser por isso que só agora me dei conta de como parecem solitários aqueles dois grampos no varal. Se esse vento conseguisse com que um delizasse pra mais perto do outro, ou que cada um deslizasse sua parte, pra que pelo menos fossem sozinhos juntos, se assim persistissem suas naturezas, juro que não peço mais nada.
Faz frio e eles já estão velhos.

Ando com a séria suspeita de que eu seja feliz. O vendaval lá fora vira as coisas de cabeça pra baixo, leva para onde quer o que se deixa levar, e eu não poderia estar mais satisfeita em estar dentro e parada. Ficar parado é bom também, a gente não se perde por aí.

Sabem a respeito de quê também estou plena? A respeito da quantidade de feriados que temos em um ano. Acho que nem de mais, nem de menos. Para mim está okay. Hoje, por exemplo, é feriado, e não me atormento com isso, assim como também não me atormenta a constatação de que os outros seis dias da semana não foram/serão feriados. Mas e não era isso que eu dizia? Nesse momento da vida não preciso dar uma desbaratinada.


Uou uou iei iei, sem você não viverei.
Enquanto isso anoitece.


Tenham vocês a noite das suas vidas. Percam o juízo, as calças, desbaratinem se for o caso.

terça-feira, 9 de junho de 2009

A Ordem do Dia

-Me diz: E existe escritor diletante? O rabo do meu olho pergunta.
-Deve existir, sim senhor. Tem de tudo nesse mundo.
Mas,
Informo a todos os presentes e futuros, que a partir de hoje integro resoluta a galera do Bandeira. "A poesia é um exercício diário". Oras, tu, passarinho, mais certo não poderia estar.
O que eu escrevo não se escreve, mas apostem dessa vez: um texto por dia. No mínimo, três por semana. Menos que isso, apresentar atestado médico na cordenação.

Sabe o que é mais fantástico e super-ultra-mega-legal e sensacional nessa história de escrever umas e outras? É que as pessoas lêem. E depois falam comigo: "li você". Ou me escrevem e eu me cobro: leio elas. Escrever tem me trazido pessoas e eu gosto de gentes em geral. Então vou pedir de novo, que eu sou atrevida mesmo: me digam quem são. Tá aí, en passant, coloque seu nome e diga a cidade de onde está falando. É só o que peço. Eu poderia estar matando e/ou roubando.

Até amanhã. AMANHÃ.

(Amanhã, ou depois de amanhã, prometo: não vou escrever sobre escrever. Tem tanta coisa no mundo, né? Amo-as menos, mas promessa é promessa)